A COMPLEXIDADE DO CÁLCULO DO ICMS
O que me embasou e incentivou a fazer a abordagem do tema sobre comento foi uma decisão de uma Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao qual me reservo (por motivos particulares) de identificar o processo em que uma determinada empresa industrial apelou de uma decisão que se originou no juízo de primeiro grau, condenando a sobredita empresa.
Um voto divergente focalizou a pretensão de não incidência do imposto no caso de descontos incondicionais, bonificações. Mas, com decisão por maioria de votos, se manteve a sentença originária do juízo ad quo, não reconheceu razão quanto ao Mandado de Segurança visante ao impedimento de incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sobre mercadorias doadas.
O argumento utilizado na tese da apelante foi de uso de bonificação como desconto não condicionado, em alternativa à tradicional redução do preço de venda. Num voto majoritário destacou-se a afirmativa de que é reconhecível a doação, uma circulação de mercadorias, em que a “base de cálculo do imposto é integrada não pelo valor da operação, mais sim pelo valor da mercadoria”. A última parte, reativa à distinção entre valores pode parecer estranha sob um exame mais profundo.
A lógica revela-se numa virtual incidência direta sobre o valor agregado nas doações, a base de cálculo zero. E ainda, zero, por conseguinte, os valores da obrigação tributária e do virtual crédito tributário. Em um mesmo empreendimento, o lucro inocorrente no modo direto nas doações, na pratica, se desvia para as transações rotineiras, normalmente lucrativas e tributáveis.
Com incidência indireta e cálculo desdobrado em duas etapas, a inicial aplicação de alíquota sobre o faturamento nulo produz um débito fiscal igual à zero. Com débitos nulos, numa segunda etapa os créditos fiscais seriam também nulos. Uma precipitada linha de raciocínio lógico levaria a conclusão de que a base de incidência, o Econômico Valor Agregado – EVA, sendo, tanto quanto o valor do faturamento, inicialmente igual a zero, geraria como derivação tributária nula.
A conclusão relativa à nulidade seria adequada quanto à obrigação tributária, mas com rigor, falsa em termos absolutos quanto ao débito fiscal calculado sobre um faturamento. Isto porque, há um teto mínimo lógico, ajustado e legal, igual ao custo da coisa do produto ou bem transacionado. Pelo enfoque dos números os resultados são os mesmos. No mundo prático a matéria aplicada deve amoldar, absolver os fatos e esquemas reais. No caso deve ser aplicada a regra do buttoir com ajuste do débito fiscal minuendo para torná-lo igual ao credito fiscal subtraendo
Todavia a decisão do Tribunal pode ter parecido a algum estudioso, imprópria na forma constitucional quanto à afirmativa de que a “base de cálculo do imposto é integrada não pelo valor da operação, mas sim pelo valor da mercadoria”. Mas a base de incidência no caso de faturamento inferior deve ser mesmo o valor de custo. O voto divergente também poderia conduzir à nulidade da obrigação tributária, e no caso específico restaria a ilegal e injusta pretensão, de uso de créditos fiscais, afrontante do princípio da não dilapidação de cargas.
O imposto deve incidir sobre o real valor das operações relativas à circulação de mercadorias, mas devem ser observadas e conciliadas no caso as disposições sobre a não cumulatividade, sobre o uso dos créditos fiscais e a inspirada pela “regra do buttoir”. Constantes do regulamentos sob a seguinte redação: “Em qualquer hipótese, o valor tributável não poderá ser inferior ao custo sobre a mercadoria ou da prestação do serviço”.
A base de incidência do imposto deve partir do valor da operação, aquele que realmente auferível abrangente de todas as parcelas componentes como fretes, seguros, juros, etc., e sofrer deduções dos descontos cifranários realmente concedidos. Mas, se os descontos extrapolarem os limites do ponto de equilíbrio entre receitas e custos tornando nulos o EVA, não pode haver o uso inadequado de excedentes créditos fiscais. Numa transação isolada, doação de coisa, os valores da operação e o da obrigação tributária se igualam em zero.
Se o crédito à aquisição fosse mantido, a doação, de modo inaceitável, seria em parte financiada pelos cofres públicos. O sistema de débitos e créditos deve equivaler ao impraticável da incidência direta sobre o EVA. Se o virtual cálculo direto produz uma obrigação tributária nula, pela incidência indireta a diferença entre débitos fiscais e créditos fiscais também deve se igualar a zero. É inadmissível saldo tributário credor, então se utiliza a “regra do buttoir”com a nivelação de débitos aos créditos fiscais.
Na pratica racional, justa e boa, sobre enfoque sempre interativo entre fato gerador e base de incidência, não se classificam bonificações em função de descontos condicionados ou não, pois a incidência determinadora de débitos fiscais deve se dar sobre o valor real da transação tendo como teto mínimo o valor dos custos. Se uma empresa pretende apropriar créditos fiscais deve observar o princípio da não cumulatividade, que na incidência indireta, somente funciona com a apropriação da diferença positiva ou nula (nunca negativa) entre débitos e créditos fiscais de cada item de coisa tributável.
Para isto, na vez de descontos pela via esdrúxulas da bonificação em mercadorias, poderiam ser conservados seus créditos em paralelo à redução no preço real das mercadorias vendidas. Em tradicionais divagações têm sido focalizadas, isoladamente na intitulação do imposto, mercadorias, circulação e operações, na busca de determinação do fato gerador do ICMS, embora a incidência não ocorra a rigor sobre operações, nem sobre circulação de mercadorias.
A expressão operação deve acampar todas as parcelas de valores de despesas, como fretes, juros, seguros etc. podendo ser tomada como sinônimo de transação, dação, escambo, transferência, venda etc. A incidência ocorre, sempre indiretamente, sempre indiretamente, sobre uma base de cálculo, interativa com a geração de imposto, a ocorrência do valor agregado em transações com mercadorias, com transferência de propriedade, em geral nas vendas.
A afirmação de que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para o outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Não merece que inclinemos a devida atenção fora das nações unitárias. Numa organização federativa de Estados componentes para legislar e arrecadar, se reconhece em cada estabelecimento um contribuinte autônomo conforme os RICMS e seus suportes, leis, leis complementares, dentre outros. E, que junto ao interdeslocamento físico pode ocorrer uma transferência de propriedade.
Quando ocorre uma transferência domestica de uma mesma organização empresarial, o débito fiscal gerado em um estabelecimento tem imediata conversão em crédito fiscal no estabelecimento destinatário, quer na mesma, sequer em outra unidade da federação. Quanto ao empreendimento como um todo, a incidência mantém equilíbrio a carga tributária e o indispensável fluxo de débitos/créditos.
Compreendida a perfeição do fato gerador do imposto, deve ser enfocada como base de incidência a mesma das operações gerais. Em tributos com fatos geradores voluntários o sujeito ativo não deveria interferir com o fator interativo, a base de cálculo. As possíveis manipulações teriam limitação parcial pela “regra do buttoir” e poderiam ter como complementação o estabelecimento de uma igualdade de alíquota única em todo o país.
A imposição sobre o EVA é bipartível nos sistemas monofásico e multifásico. No enfoque relativo tanto à incidência quanto a múltipla, pode-se imaginar a direta, sem geração de créditos fiscais, com simples aplicação da alíquota sobre o lucro escoimado do faturamento. A real e continua apropriação do EVA ou lucro para atinência direta é impraticável em períodos curtos.
Há necessidade de complexos dados contábeis sobre custos, estocagem, despesas indiretas de administração de vendas etc., pendentes de ciclos completos de prazos variáveis para caracterização. O lucro, em constante formação e mutação durante a passagem do tempo, nunca seria um dado constante, estatístico. Para sua determinação direta se considerarem outros fatores, alguns aleatórios e imprevisíveis, e até indesejáveis como a paralisação visitante ao esgotamento de estoques de mercadorias.
No sistema indireto, esses estoques fornecem créditos fiscais pendentes de débitos fiscais para a perfeição de obrigações tributárias. Como os dados fiscais são isoladamente apropriáveis, um jogo cíclico de débitos e créditos revela-se facilmente viável. A incidência direta é, neste caso impraticável quanto a apuração periódica do EVA para suporte.
Ela só revela este dado após a apuração de sua base de cálculo, o lucro bruto somente apropriável ao final das atividades quando de um eventual encerramento de um empreendimento. E, pode-se observar a incidência indireta com a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo, o valor total do faturamento, para depois extrusar do produto o mesmo cálculo feito no faturamento anterior, correspondente ao custo.
Portanto os sistemas monofásicos são motivados pela maior facilidade de fiscalização e menor esforço e dispêndios. Mas a antecipação antepõe a obrigação tributária à geratriz do imposto, à concretização da hipótese de incidência e o pagamento ao nascimento da dívida, numa quebra de seqüência lógica, contrárias aos dispositivos da própria Lei Constitucional Nacional – LCN.
O diferenciamento, não é ilógico e nem cumulativo quando aplicado com critério, mas é por característica inaceitável, acumulador e por isso também conflitante com as formalidades estabelecidas pela Lei Constitucional Nacional, em indesejável autocontestação.
Outra notícia inovadora de abordagem do tema sob comento é a da análise motivada por Recurso Extraordinário tramitando perante na mais alta Corte de nosso país – Supremo Tribunal Federal, com relação ao faturamento de empresas como base de cálculo do ICMS e da Cofins. O enfoque importante é o da intenção da economia da parcela de valor correspondente à (virtual) incidência da Cofins sobre o valor do ICMS à semelhança com o que se faz com o IPI.
Parece haver uma tendência à “exclusão do ICMS” da base de incidência da contribuição social, que apesar de inspirada no ideal de não retributação, é, guiada pelo espírito de economia tributária, confusa e contraditória.
Estendendo-se o raciocínio apuração de um faturamento “puro” pretensamente escoimado de ICMS, não deveria constituir base de cálculo tão somente para a contribuição mais para todo e qualquer tributo válido. Os pagamentos de ICMS em função do diferencial entre débitos e créditos fiscais não correspondem a uma imediata exação sobre o real valor agregado cujo cálculo imediato não é viável.
A exatidão pretendida somente se desenvolve ao longo do tempo com uma aproximação constante, que se revelaria com um esgotamento de estoques e uma (indesejável) paralisação das atividades da empresa.
O faturamento pode ser continente de subtítulos indicados ou embutidos sem discriminação, e não é a base de cálculo direto e sequer indireto do ICMS. Sob esse enfoque é apenas a objetiva base do débito fiscal minuendo. O EVA, a é a real e indireta base de incidência de imposto é um componente da fatura. A expressão “cobrável por dentro” do jargão do campo da matemática deve ser vista com muita sensibilidade.
Sob o enfoque lógico e ou, legal, o ICMS não é parcela acrescentável ao preço faturável devido pelo adquirente, como adendo inflacionador de base de cálculo em um ciclo vicioso. Não há acréscimo particular para posterior retirada de uma base de cálculo, um fator interativo com um fator gerador. Portanto, em comparação com as taxas que não podem ter as mesmas bases e os mesmos fatos geradores que os impostos, evidencia-se quanto à contribuição um erro básico mantido por uma lógica, injusta e esquisita complacência legal.
Podemos concordar com a intenção não com gesto. Não deveriam dois tributos deixando de se manter no confinamento das espécies próprias (imposto e contribuição) ter mecanismos semelhantes a mesma base de incidência. Persiste a necessidade de um conceito técnico para a contribuição, com perfilamento de matrizes e bases por exclusão quanto ao campo dos impostos e o das taxas. Foi cometida a falha de aprovação de contribuição sem custo predefinido para pagamento em reposição de gasto rateável entre os componentes de uma classe efetiva, direta e proporcionalmente beneficiada.
É verdade que este tipo de débito fiscal pelo princípio da equivalência das cargas corresponderia ao somatório das obrigações tributarias, mas seria impraticável a correção da torção causada por falhas no fluxo de dados como a relativa à isenções intercorrentes, às alíquotas diferenças interestaduais, às bases de cálculo reduzidas, etc. Uma empresa contribuinte quando aufere lucros não aufere imposto. O ICMS não é pago por terceiros para sofrer retenção e recolhimento discriminado. Simplesmente, uma empresa dispondo integralmente de seu lucro, sem fracionamentos rotulados, “aplicando”parte dele em pagamento do ICMS, faz surgir o imposto no exato momento de sua disponibilização aos cofres públicos.
Aluizio de Carvalho