A DURAÇÃO DO TRABALHO - BANCO DE HORAS
Sempre foi um tormento aos empresários, a administração do horário de trabalho ou, o tempo de permanência do empregado à disposição do empregador, pois não são poucas as notícias de trabalhadores sujeitos a jornadas de doze, quatorze e até de dezesseis horas.Vias de conseqüência, devido à preocupação dos empresários mundialmente falando, tornou-se motivo de estudos e, por conseguinte, foi criada a Convenção nº. 1, da Organização Internacional do Trabalho, comummente conhecida como OIT, no ano de 1919, dedicada principalmente a esse tema.
No Brasil, em média o horário laborativo previsto pelo inciso VIII, do artigo 7º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais. Tal limitação decorre de estudos elaborados por conseqüência de aspectos biológicos (prevenção contra os efeitos psicofisiológicos advindos da fadiga, provocada pela excessiva racionalização do trabalho), econômicos (redução da capacidade produtiva do trabalhador quando submetido a extensas jornadas de trabalho e, por conseguinte, aumento do número de acidentes de trabalho ocorridos durante a prestação dos serviços laborativos suplementares, ou seja, trabalhos extraordinários e, como uma das conseqüências o aumento do desemprego) e sociais (tornar possível ao trabalhador um maior convívio entre seus familiares, como também, maior convívio social dos mesmos, o aprimoramento profissional, dentre outros).
Todavia, algumas categorias profissionais, em decorrência de peculiaridades devidas as suas atividades laborativas, estão sujeitas à duração reduzida do trabalho, como por exemplo, os bancários, os jornalistas, telefonistas, advogados, dentre outros.
Importa-nos apresentar as normas pertinentes à limitação da duração do trabalho que são imperativas, de ordem pública, não sendo permitido aos particulares inobservar a sua incidência, quando verificadas as hipóteses tratadas pelas mesmas.
Muito embora a Constituição Federal vigente estatui a sobredita duração da jornada do trabalho, o mesmo texto constitucional permite a conhecida estipulação da compensação de jornadas, conforme dispõe o artigo 7º, inciso XIII, da CF/88, que preceitua: “a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais faculta a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
A sobredita compensação consiste no aumento da jornada, até o limite máximo de dez horas em determinados dias da semana para a redução ou supressão em outro, ou outros dias. Tal compensação, segundo os preceitos contidos no artigo 59, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT deve ser cumprida até um ano.
A 4ª Turma do Superior Tribunal do Trabalho, em uma recente decisão, unanimemente expôs seu entendimento no sentido de não ser possível que a compensação de jornadas seja feita em períodos superior ao determinado em lei, não obstante tenha determinado a dedução das horas extras pagas nos mesmos meses.
Por outro lado, muito se discute sobre qual o instrumento jurídico apto a tornar válido tal procedimento, pois, parte da doutrina e da jurisprudência entende que somente será possível prever a compensação mediante acordo ou convenção coletivo de trabalho.
Imperioso registrar que o acordo coletivo de trabalho é celebrado entre o sindicato que representa a categoria profissional e o empregador, já a convenção coletiva é celebrada entre duas entidades de classe, ou seja, entre o sindicato profissional e o sindicato patronal.
Para essa corrente, quando o legislador constitucional pretendeu permitir que empregado e empregador pudessem negociar direitos através de acordos individuais, o fez expressamente, o que também ocorreu quando teve a intenção de restringir tal negociação aos instrumentos normativos, ou seja, nos acordos ou convenções coletivas de trabalho, ou acórdãos normativos.
Essa corrente defende a tese de que o caput do artigo 7º, da CF/88, trata de condições mais favoráveis aos trabalhadores e o atual regime de compensação, conforme preceituado pelo artigo 59, §2º, da CLT, com redação dada pela Lei nº. 9.601, que introduziu o conhecido “banco de horas”, é prejudicial aos mesmos, uma vez que, permite que seja ajustada a compensação do período de um ano (redação dada pela Medida Provisória nº. 2.164-41/2001) e não mais dentro da mesma semana (redação do artigo 59, §2ºda CLT) ou do mesmo mês.
Sendo essa última uma interpretação jurisprudencial ampliativa do artigo 59, §2ºdo Texto Consolidado em sua redação original ou mesmo do período de cento e vinte dias, conforme determinado pela Medida Provisória nº. 1.709, de 1988. Há mesmo quem diga ser inconstitucional a Lei nº. 9.601 no particular, por ir em direção contrária ao disposto no artigo 7º, caput e inciso XXII, da Constituição Federal de 1988.
De outro lado, entende-se possível a previsão de compensação de jornadas mediante acordo individual entre empregado e empregador. Essa interpretação seria possível por ter a Constituição se utilizado de ambigüidade semântica da palavra acordo quando a vinculou ao regime de compensação de jornadas, ao contrário do que fez quando buscou evitar essa mesma ambigüidade em outras situações existentes em seu texto.
Os defensores desta tese sustentam que, no inciso XIII, do artigo 7º, da CF/88, lê-se “facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Logo, observamos que o legislador constitucional de forma intencional colocou o verbete acordo afastado da qualificação (restritiva) coletivo.
Essa intenção ficaria clara ao examinarmos os incisos VI e XIV, ambos do artigo 7º, do Texto Constitucional, que tratam da redução de salário, com a expressão “convenção ou acordo coletivo” invertidos, e da ampliação da jornada dos empregados que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento, que usa a expressão “negociação coletiva”, respectivamente, impedindo qualquer dubiedade de interpretação.
Ademais, a compensação de jornada seria favorável ao empregado, ampliando os seus dias de disponibilidade familiar e social, através do ajuste na distribuição das horas trabalhadas no dia ou na semana. Por isso, não seria acreditável que a Constituição Federal, pretendendo criar ordem jurídica mais favorável ao empregado, como disposto no caput do artigo 7º, restringisse a pactuação da formula mais benéfica aos mesmos.
Mais ainda, sabe-se que acordo coletivo e convenção coletiva são instrumentos de rara pactuação por micros e pequenos empreendimentos, o que inviabilizaria a adoção desse regime, favorável aos empregados, repita-se, nesses seguimentos econômicos, onde atualmente se encontra grande parte da população economicamente ativa do país.
Igualmente, sendo vedada a celebração de acordos ou convenções coletivas por pessoas jurídicas de Direito Público, seria inviável a pactuação do regime de compensação de jornada para os chamados servidores públicos, em flagrante prejuízo aos mesmos.
Por oportuno, devemos registrar a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST, pois a mesma é pacifica quanto à possibilidade de compensação de jornadas prevista em acordo individual, conforme denota a sua Súmula nº. 85: “I – A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II – O acordo individual para compensação de horas é valido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. III – O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. IV – A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nessa hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário”. (redação dada pela resolução nº. 129 do Tribunal Pleno do TST, com incorporações jurisprudenciais nº. 182, 220 e 223 da SDI-I, do TST).
Os argumentos utilizados pelos defensores da tese da previsão de compensação de jornadas restrita aos instrumentos coletivos, entendida mais consentânea à realidade do país a possibilidade de que tal fosse previsto também mediante acordo individual, notadamente quando flagrante o beneficio do mesmo decorrente ao empregado. Acontece que a Lei nº. 9.601, criou novo regime de compensação de jornadas, com ampliação do período em que será possível fazê-lo, inicialmente de um ano e, posteriormente, reduzido para cento e vinte dias pela Medida Provisória nº. 1709/98.
Interessante notar que o projeto de lei original (Projeto de Lei nº. 1724/96, oriundo da Mensagem 257/96) possui em seu texto as expressões invertidas (“mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho”). O que torna impossível admitir a compensação de jornada mediante acordo individual. Acredito no particular que o legislador estava ciente que o novo regime de compensação de jornadas ampliaria o desgaste dos empregados na prestação de trabalho e, consequentemente, dos riscos inerentes à mesma, razão pela qual, entendo que procurou eliminar qualquer dúvida quanto à natureza do instrumento apto a prever o regime compensatório anual.
Por tanto, após a publicação da Lei nº. 9.601, que instituiu o chamado “banco de horas”, não é mais possível à celebração de acordo individual para a estipulação do regime de compensação de jornadas, mesmo considerando a redução do período para tanto constante da Medida Provisória 1.709, pois, nessa hipótese, o regime compensatório deixa constituir procedimento mais favorável ao empregado; pelo contrário, conspira contra medidas de saúde e segurança do trabalho, cujo implemento é garantido pela Constituição Federal/88.
Esse entendimento é reforçado pela nova reforma do §2º, do art. 59, da CLT, através da Medida Provisória nº. 2.164-41/2001, que trouxe de volta o prazo de um ano para compensação de jornadas.
Assim é que o legislador infraconstitucional, ao criar novo regime de compensação de jornadas, diferente daquele originalmente previsto na CLT, e prejudicial à saúde e segurança do trabalhador, não pode determinar que tal regime seja pactuado sem a tutela sindical encontrada na negociação coletiva.
Caso não seja acolhida a tese de inconstitucionalidade dessa nova figura, por entenderem ser uma afronta ao caput e ao inciso XXII, do art. 7ºda CF/88, não é possível permitir sua implementação por outra forma que não através de acordo coletivo e convenção coletiva, uma vez que é cediço não ser viável à transação bilateral estipular redução de direitos dos empregados. Portanto, podemos afirmar que o regime de compensação de jornadas, alterado pela Lei nº. 9.601, somente pode ser pactuado através de acordo coletivo ou convenção coletiva, sendo totalmente nulo o acordo bilateral entre o empregado e o empregador, muito embora ciente de ser este entendimento contrário àquele consubstanciado na Súmula 85, do TST. Isso porque não autorizam a Constituição e o próprio Direito do Trabalho, que tem como princípio maior o da proteção ao hipossuficiente, que a transação meramente bilateral, sem tutela sindical, tenha o condão de constituir medidas desfavoráveis à saúde e segurança do trabalhador.
Outrossim, não podemos olvidar que a falta de previsão escrita para compensação de jornadas (seja bilateral, como entende o TST, seja coletivo, como entendemos) enseja a nulidade do procedimento adotado, ficando o empregador sujeito ao pagamento do adicional de 50% sobre as horas excedentes à oitava trabalhada em cada dia, como atesta decisão de 26 de maio de 2006, do TST (embora haja entendimento isolado do eminente e saudosoValentim Carrion de ser possível à previsão tácita de compensação de jornadas).
Outro aspecto que não se pode deixar de ressaltar é o entendimento exposto no item I da Súmula nº. 85, do TST (já existente na cancelada Súmula 108, da Corte Máxima Trabalhista) foi reforçado com decisão da 3ª Turma do TST, que manteve a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina), no sentido de que o acordo de compensação de jornada deve ser necessariamente escrito, não podendo ser presumido, uma vez que, muito embora possa o contrato de trabalho ser regido por certa informalidade, para determinados atos a lei exige forma especial, entre os quais o acordo de compensação de jornadas, sendo considerado sem validade o acordo tácito para tanto, ressaltamos que o TRT da 12ª Região, considerou ser prescindível a interveniência do sindicato que representa a categoria profissional, sendo válido o acordo individual.
Conforme denota o item IV da Súmula 85, do TST, a prestação habitual de horas extras enseja a descaracterização do acordo de compensação e o pagamento de horas extras após a 44ª trabalhada na semana e o adicional de 50% sobre as horas destinadas à compensação.
Conforme já visto a lei prevê a limitação da jornada de trabalho de dez horas, quando haja compensação de jornadas (art. 59, da CLT). Entretanto, alguns acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho trazem previsão expressa de prestação de trabalho nas chamadas “escalas 12 x 36”, ou seja, doze horas de trabalho e trinta e seis horas de descanso, que é uma das formas de compensação de jornadas.
Tanto a doutrina como a jurisprudência, sempre tiveram como valida tal previsão, ressaltando o respeito aos aludidos instrumentos normativos, garantido pelo inciso XXVI do art. 7ºda Constituição Federal de 1988.
O Tribunal Superior do Trabalho entende que se a norma coletiva permitir a prestação de serviços em escala de 12 x 36, porém, condicionada à celebração de acordo entre empregado e empregador, a falta dessa condição importará na sujeição deste ao pagamento como horas das horas trabalhadas após a oitava diária, nos restando apenas ficarmos atentos as eventuais mudanças dos TRT’s, como também do TST.
Quanto à prorrogação da jornada de trabalho, prevista no artigo 59, caput da CLT. É possível a previsão de simples prorrogação de jornada de trabalho mediante acordo individual celebrado entre empregado e empregador. Não há redução da jornada em qualquer dia da semana e são devidas as horas extras com adicional de 50%, conforme art.7º, inciso XVI, da CF/88.
Partindo do princípio de não existir previsão tanto na doutrina como na jurisprudência, divergência sobre essa possibilidade, entendo permissa venia, que neste caso sim, deveria ser restrita a previsão aos instrumentos coletivos.
Ao contrário do que ocorre em relação à compensação de jornadas na prorrogação de horários simplesmente é prevista a prestação de serviços em horas extras, somente sendo garantido ao empregado o pagamento da hora com o adicional de 50%. Ora, essa situação é muito mais desvantajosa ao empregado do que àquela oriunda do acordo para compensação de jornada, quando, embora haja aumento da jornada em determinados dias da semana, em outros há sua redução ou até mesmo, não há prestação de serviços.
A simples prorrogação do horário de trabalho do empregado sem a correspondente diminuição ou supressão da jornada em outros dias afronta o disposto no caput e nos incisos XIII e XXII, do art. 7º, da CF/88, indo de encontro aos aspectos biológicos, econômicos e sociais que fundamentam a limitação da duração do trabalho.
Entretanto, equivocadamente, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, segundo a minha interpretação, data venia, são no sentido de ser desnecessária a previsão de prorrogação de horário através de acordo ou convenção coletiva de trabalho, com presença obrigatória do sindicato que representa a categoria profissional, tendo como válidos os acordos individuais celebrados entre empregados e empregadores para tanto.
Nesse diapasão, é regra de hermenêutica que as normas inseridas em incisos, parágrafos e alíneas devem estar subordinadas à idéia central emanada do caput do dispositivo legal. Nesta hipótese sob comento, dispõe que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. (art. 7º, caput, da CF/88).
Importantíssimo ressaltar que a flexibilização de direitos trabalhistas, tão propalada, somente é possível nas hipóteses versadas nos incisos VI, XIII, e VIV, do art.7º, da CF/88, quais sejam: redução do salário, com assistência do sindicato que representa a categoria profissional, duração do trabalho superior a oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, observada a compensação de horários e redução de jornada; e jornada superior a seis horas no trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, desde que permitida por acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Não com escopo de polemizar, entendo que observado o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário, entende-se que o acordo (individual) pode ser celebrado com ou sem determinação de prazo. Caso haja tempo determinado, cessará o acordo quando findo o prazo. E, não havendo, será possível qualquer das partes comunicar à outra sua extinção, mediante aviso prévio.
Por fim, havendo ou não prazo determinado para cessação do acordo, enquanto o mesmo estiver em vigor serão devidas às horas extras com respectivo adicional, ainda que o empregador não exija o trabalho extraordinário, pois, o empregado sempre estará à sua disposição para atender à convocação para a sua prestação.
Aluizio Brito de Carvalho